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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O BOI CEARÁ - 2

E pense num Boi.  O bicho era um zebu enorme, de cor castanha, um cupim de camelo, e os chifres maiores do que um dia de fome.  A carroça tinha de ser feita sob medida pra os cabeçalhos passarem pela barriga do animal.
Se a carroça era o transporte e Ceará o motor, não é menos correto informar que Seu Zé de Mar era o motorista.
Não precisa dizer também que de vez em quando eu era o passageiro, acocorado em um dos cabeçalhos da carroça.
Ceará manso de fazer raiva, carregava a carga com a paciência típica de quem já havia escapado da morte e não tava mais nem aí pro resto.
Daí pra eu montar em Ceará foi um pulo.  No início Seu Zé de Mar me montava no boi quando ia buscar no cercado e eu vinha montado até o armazém onde estava estacionado o “veículo”.  Depois eu já ia buscar o monstro e vinha montado me balançando naquele couro solto que o boi tem.  Pra quem não sabe, o couro de cavalo é “apregado” na carne, e o do boi é solto, daí aquela courama toda que se vê nas golas dos touros.
Um dia Seu Zé de Mar muito afeiçoado àquele titã de quatro patas, me disse entristecido:
- Dá pena saber que um boi desse não vai ter direito a aposentadoria...
- Por que não Seu Zé? perguntei.
- O destino de todo boi é o açougue.
- Quando não tiver mais serventia para o trabalho, seu pai vai chamar o açougueiro e ele o leva pra matar.  E arrematou ainda mais entristecido:
- Se fosse meu, eu dava de comer até ele morrer de velho.
Naquele momento, aquela revelação me apertou o coraçãozinho puro de criança, me levando a fazer uma solene e silenciosa Jura:
- Não deixo papai matar Ceará nunca!

Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando
As visões se clareando, ate que um dia acordei

Cresci, e o boi Ceará ficou velho.
Como tinha feito a promessa, e ela ainda continuava válida pra todos os fins, não deixei papai tocar num fio do pêlo de Ceará.
Eu mesmo o levei para o Açougue, numa tarde de sexta-feira.
Hoje não existe nem foto pra recordar de Ceará.  Ele só persiste na lembrança de um velho que já comprou seu próprio túmulo e na de outro que também já está no mesmo rumo. 
Será que ainda vamos nos encontrar com Ceará?

Dono de gado e gente, porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente
Se você não concordar não posso me desculpar
Não canto pra enganar, vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado, vou cantar noutro lugar
(Disparada, Geraldo Vandré)




2 comentários:

  1. Não sei quem é mais ruim, se é vc ou esse seu zé que ainda fala com vc.

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  2. Muito boa. É uma poesia. A vida como ela é tipo o xará Nelson Rodrigues.

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